Foi quando uma mão gentil me guiou. Sentado na calçada. Sol. Verão. Foi quando a sombra do cinamomo se apresentou. Olhei para os lados. Nada. Tudo quieto e tranqüilo. O cinamomo inclinou-se. Convidou-me para uma escalada. A casca dura e rugosa serviu de ótimo apoio. Não sei se era eu que diminuía ou o mundo que se agigantava. Levei cinco dias e cinco noites para chegar ao topo. Trinta e seis horas de descanso. Um sono profundo. Acordei no escuro. Nas mais profundas trevas. Ao olhar ao redor encontrei uma caverna. Vento e zunido saíam de lá. Uma singela luz amarelo-limão atestava a profundidade do local. Segui a luz. Adentrei a caverna. Cheguei ao fundo. Lá encontrei a origem do vento e zunido. Era um gafanhoto. Afirmou chamar-se Nicodemos. Pintava freneticamente o interior da caverna. Milhões de símbolos. Dizia estar pintando sua cosmogonia. Usava quatro de suas seis patas. Todas ao mesmo tempo. Abanava suas poderosas asas secando a tinta do que já havia feito. Seus grandes olhos verificavam se não havia esquecido de nenhum detalhe. Esta parte chama-se “A metafísica do cotidiano”, venha ver! – disse o gafanhoto. Aproximei-me e me vi pintado em preto e branco. Sorri para mim. Ao olhar mais perto vi as linhas tornando-se gatos. Um preto e um branco. Ambos corriam. Misturaram-se. Tornaram-se cinzas. Uma nuvem cinza que me envolveu. Por um instante tudo fez sentido. A cosmogonia. A teogonia. A metafísica do cotidiano. Acordei-me em meu quarto. Tonto. Não consegui descansar. Uma dor apertava-me o estômago. Virei para o lado e vomitei. No meio do vômito bolinhas de cinamomo e um gafanhoto.
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